
morte
esta noite sonhei a morte
a morte era uma baleia branca
já morta
impedida de descer às profundezas
por ahmad, um jovem
jamal, amigo de ahmad,
como aliás cabe a todo pianista de jazz,
acompanhava ahmad submerso
montado nas costas da baleia
enquanto afundavam lenta e paulatinamente
debatiam a natureza das coisas
e suas conjecturas formavam corrente ascendente
— imagino-a quente —
contrabalanceando a inexorável gravidade
jamal um pouco condescendente
consciente de que aquilo
não podia durar
ahmad falsamente tranquilo
mão direita na barbatana dorsal
— caída —
e mão esquerda erguida
— em descurso
(e a morte aos poucos se putrefaz
em espiral descendente
impedida de morrer de fato
envolta num morrer latente
no oxímoro de um lento turbilhão)
até que algo
— algo não súbito
mas decerto conclusivo —
obriga ahmad e jamal
a baixarem as cabeças
em reverência ou desistência
restituindo tudo
aos seus ritmos normais
à necessária vazão
à tromba d’água
sob a(o)s vaga(o)s
enquanto soam fortes
rumo às fossas abissais
em acorde dissonante
todos os metais