
testamento
o que tenho de mais valioso
simplesmente não se arrola
(a vida é menos escola que
fonte incessante de esmolas)
mas nessa labuta sem frutos
construo uma surda luta
se nada aqui é meu
nada que reste
— brasa no breu —
será alvo de disputa
que o silêncio que se siga
equivalha àquele
que nos bons momentos
pude e soube cultivar
(que seja um silêncio denso
prenhe de tudo
que ainda haja
por se desenrolar)
que só me seja dado
revis(it)ar
as horas de pura vazão
— mesmo se imersa
na lerda tarefa
das baias —
de algo de ócio espanto tesão e poesia
(amortização de mais-valia)
que eu (vocês) m(s)e lembre(m)
das mãos que estendi à vida
(não a outrem)
(troca vazia)
se eu partisse hoje iria
sem grandes arrependimentos
e com orgulho moderado
(que espero que até o fim
termine de ser minado)
pois conheci 78 cidades
e desde a constatação
de que o mundo é pequeno e vasto e fortuito
já não me parece muito
espero ao final ter poucas condecorações
(ou nenhuma)
e tudo por celebrar(mos)
— espuma e não em suma
monções e não mansões —
que o que quer que reste
não seja ou(l)vido
(basta de traça e eco)
mas sirva de espelho ponte ou fonte
(ponte pra fonte
fonte de pontes
— um estranho espelho opaco
em descalabro)
me diz um amigo
— mais vale escrever
que ser publicada
envergonhada leio
— mais vale morrer
que ser enterrada