Finalmente Krishna conclui com este último valor que indica a necessidade de uma constância, de uma perseverança e regularidade no estudo centrado no EU, utilizando um meio válido e efectivo para adquirir esse conhecimento, pois ele não se obtém sentando-me em silêncio em baixo de uma árvore! Apenas a constância no estudo das escrituras védicas, também conhecidas como Upanishads, e de outros textos de Vedānta poderá dar-me o auto-conhecimento.

Quase na recta final desta listagem de 20 valores que nos preparam para escutar o ensinamento, Krishna conclui dando-nos uma panorâmica do propósito, da importância que este conhecimento tem para o ser humano. Este valor Tattvajnānarthadarśanam, significa precisamente ter em vista esse propósito, o propósito do conhecimento da verdade.

Aratih Janasamsadi, está intimamente relacionado com o valor anterior e designa uma ausência de grande desejo por companhia, o que não quer dizer que seja errado ter e gostar de companhia, mas não existe uma dependência dela para estar bem. Uma coisa é eu desfrutar da companhia das pessoas, seja da minha família, amigos, colegas de trabalho, outra é depender da sua presença para estar bem, para me sentir em paz e contente.

Este é um valor muito bonito e muito muito pertinente, especialmente no dias de hoje. Vivikta Desha Sevitvam - é o apreço por um lugar tranquilo, o apreço por um momento a sós, o valor por guardar na nossa vida um tempo e um lugar onde possamos estar connosco mesmos.

É incrível como isto foi ensinado por Krishna há centenas de anos atrás e foi também tão bem exposto pelo próprio Swamiji no seu livro “ o valor dos valores” há mais de 20 anos e hoje mantém-se ainda mais urgente.

No valor anterior vimos que um dos hábitos que nos podem ajudar a obter uma mente equânime perante os movimentos da vida é a devoção.Mayi Ca Ananyayogena Bhaktih Avyabhicārinī é precisamente uma devoção firme à Ordem que tudo governa sem me deixar fora dela. Quando existe real devoção não existe separação. Há como que um encantamento que vem com a visão de Ísvara que já vamos explicar aqui, que por sua vez se traduz numa forma de estar na vida mais contente, na capacidade de agir e de receber os resultados das minhas acções com contentamento.

Receber com o mesmo estado mental, aquilo que é agradável e apreciado e aquilo que é desagradável e não apreciado é para onde aponta este valor. Sama significa igual, citattvam estado mental. Então samacittatvam significa uma mente que tem equanimidade, uma mente que se mantém equilibrada, imperturbável independentemente das circunstâncias. 

Abishvanga é uma afeição excessiva, como diz o próprio Swamiji, uma afeição pegajosa! Anabishvanga é a negação ou seja, a ausência dessa ligação peganhenta, por vezes obsessiva até, em relação a quê? Pois, exactamente em relação áquilo que nos é mais querido e precioso: filhos, companheiro ou companheira, a nossa casa e adi todas as outras coisas que nos são mais valiosas.

Com o prefixo “a” estabelece-se a negação de sakti. O nosso valor desta vez é, então, ASAKTI, que designa a ausência da atitude de propriedade em relação a alguma coisa, ou em palavras que talvez nos toquem melhor o estabelecimento de uma “ não dependência” de nada, um estado de independência assente numa liberdade interna.

O valor que trazemos hoje para a nossa reflexão meditativa é difícil de pronunciar mas aponta para um olhar simples em relação à vida.

O significado deste valor aponta para uma capacidade de - de novo e de novo - ver vermos as limitações inerentes à vida como são, de forma objectiva e sem nos lamuriarmos perante aquilo que é uma inviabilidade.

E que limitações são estas?

Através do prefixo “An” é negado o significado da palavra ahankara que é commumente traduzida por ego ou sentido de individualidade.

No mundo da espiritualidade o ego é muitas vezes tomado como o vilão a destruir, um tirano que comanda os nossos gostos, aversões e que muitas vezes assume a forma de orgulho exacerbado. No contexto da tradição védica, o ego não é para ser destruído, havendo entendimento do meu papel no mundo ele passa a ser um instrumento para a vida.

Anahankara significa então ser livre da identificação com o ego ou um sentido de EU individual e deve ser entendido aqui, no contexto do diálogo de Krishna com Arjuna, de uma forma relativa. 

Indryarteshu vairagyam, palavra longa e muitos significados para assimilar. 

Indrya significa - orgãos dos sentidos,  artha quer dizer - objecto e vairagyam -traduzimos por desapego. Assim, este valor aponta para um estado de desapego em relação aos objectos dos sentidos.

Importa olharmos com cuidado para o que venha a ser este desapego. Este é um termo que gera muita confusão no mundo da espiritualidade e do Yoga em particular. Desapego significa virar as costas a um desejo ou impulso de forma forçada e repressiva? Não.

Neste contexto em que vemos a meditação como uma das ferramentas que preparam a mente para escutar sobre a verdade de si mesmo e para adquirir uma natureza de ser mais satvica, harmoniosa e menos reactiva, referimo-nos a atma enquanto o “eu-mente”. É neste contexto que Krishna fala a Arjuna de atmavinigraha. 

Então “atma” no sentido de mente e “vinigraha” significando restringir ou controlar, ou melhor dizendo, um  domínio ou comando.

Temos então "atmavinigraha" como um comando sobre a mente. 

Sthairyam ou Nishta, deriva da raís do sânscrito "stha" que quer dizer constância ou preserverança. Sthairyam, traduz-se então por firmeza ou estabilidade, tal como na definição de āsana oferecida por Patanjali nos yoga sutras - “sthira, sukham āsanam” - a postura estável e confortável.

Um esforço firme em relação a qualquer objectivo que eu tenha estabelecido, ou em relação a qualquer dever que as minhas responsabilidades comportem, é  sthairyam.

 Limpeza ou pureza tanto interna como externa é Śaucan, um valor que devemos entender pois nem sempre se refere a um significado literal.

Naturalmente que mantermo-nos limpos é um benefício de que ninguém duvida e que me beneficia mas também os outros. Esta limpeza de que aqui falamos implica também uma certa ordem e arrumação física e mental e onde existe ordem e arrumação existirá espaço o que por sua vez propiciará um estado de maior autenticidade e menor confusão.

Na nossa cultura falar em mestres é muitas vezes recebido com desconforto, às vezes basta substituir esta palavra pela palavra professor. Ācāryaopāsanam o valor de hoje, significa literalmente “meditar sobre o professor”, mas quando é ensinado na Gītā refere-se a um serviço e entrega do aluno em relação ao professor. No fundo ,não é mais do que cultivar um sentido de reverência e humildade pela pessoa que representa o conhecimento, pela pessoa que me trouxe um mundo novo que eu desconhecia.

O primeiro compromisso de uma vida de yoga é a coerência, entre pensamento-palavra e acção, entre o corpo a fala/o discruso e a mente. O exercício de colocar estes 3 em harmonia, leva-nos ao 5º valor que Krishna ensina a Arjuna - Arjavan, rectidão.

Kshanti é um valor muitas vezes mal interpretado, significa “acomodação” mas não se trata de comodismo, de aceitar simplesmente para não ter trabalho para enfrentar, ou para fugir do problema, trata-se sim de uma capacidade de aceitação com base na compreensão daquilo que podemos e não podemos controlar.

Este é provavelmente um dos valores mais conhecidos dentro da tradição do Yoga. É frequentemente traduzido por não violência, mas se quisermos ser mais precisos podemos usar antes a expressão “não causar dano”. E quando nos referimos a dano estamos a referir-nos seja ao nível físico, quanto verbal ou mental.

Parece bastante óbvio, aliás este é certamente um dos valores mais presentes no chamado senso-comum “não faças aos outros o que não gostas que te façam a ti”.

Não é de todo o propósito destas reflexões servir de crítica ou julgamento, nem sequer que cumpram uma função de auto-crítica, ou auto-julgamento. Os valores de que aqui falamos são questões profundamente humanas que ocorrem na mente de toda a gente. O propósito aqui é apenas fazer-nos reflectir e olhar para a mente como um instrumento que, quando bem utilizado, é uma porta aberta para o entendimento de quem somos.

O primeiro valor apresentado por Krishna na Gita é  AMANITVAM que podemos traduzir por ausência de vaidade ou orgulho. É o oposto de manitvam - o estado de possuir orgulho, sendo mani aquele que possui qualidades mas que está sempre à espera de ser reconhecido, elogiado, talvez porque ele próprio  não seja capaz de reconhecer em si  mesmo essas qualidades.